Existia um casal Ikólóéhj. O cunhado era apaixonado pela mulher do irmão. Ele transava com a mulher dele. Esse é o costume do nosso povo. A gente transa com a mulher do irmão. Transava com a mulher do irmão e ficou muito apaixonado. Ele planejou muito como matar o irmão pra ficar com ela, pra casar com ela. Mas seu plano pra matar de flecha, de porrada e de veneno não deu certo. Seu plano nunca eu certo. Ele andava junto, era muito ligado com o irmão. Ia junto nas caçadas, nas tocaias. Ficava junto com o irmão e a mulher na tocaia. Viviam juntos. A mulher e os dois maridos. Até que enfim acharam o ninho do gavião real. Aí ele falou: vamos matar esse gavião pra tirar pena pra flecha, pra cocar. Eles foram fazer tocais e mataram o pai do gavião, a mãe, coisa assim. Mataram um primeiro, fizeram cocar, pena de flecha, fizeram flecha e ainda ficou um gavião e foram lá e mataram todos. Não é um casal só. O gavião real são seis, oito no mesmo ninho. Mata dois, mas vem mais dois, até terminar de criar seu filho. E assim por diante. Cada um põe ovo no ninho depois do outro ganhar o gaviãozinho. Depois que sai o gaviãozinho, vem outro. O pequenininho ficou lá. Sempre tem um gaviãozinho, um só, não tem dois não. Aí falaram: ‘vamos pegar o filhote pra criar’. Os Ikólóéhj criam os filhotes de gavião real pra enquanto tá crescendo ir tirando as penas pra flechas e cocar. Tem uma casa 7x8 só pra ele mesmo. Só a mulher e o homem é que entram na casa e dão comida. Se for criança pequena, ele come, estranho não pode entrar na casa dele não. Se for estranho ele mata. Aí um dos irmãos falou: ‘como vamos fazer pra pegar filhote de gavião?’. Como a gente vai tirar lá de cima? A gente pode fazer uma ponte. Fizeram um andaime e colocaram um pau fino. Colocaram os paus pra chegar ao ninho. Fez uma ponte de uma árvore a outra pra chegar ao ninho. Aí o marido da mulher falou que ia ao ninho buscar o gavião. A ponte já tá feita. Já estava seguro. Era uma ponte do pau para o ninho. Ele foi. Sentou e foi indo até chegar ao ninho do gavião. No lado que dava para o ninho, o pau não estava amarrado. A ponta onde ficou o irmão estava amarrada. Quando ele chegou ao ninho, o irmão tirou o pau e não tinha como ele voltar, nem descer. O ninho do gavião é tão grande como uma castanheira. Não tinha como descer, não levou facão nem nada. Ficou no ninho e questionou o irmão, gritou lá de cima pra ele, já embaixo: “por que você fez isso comigo?”. Não poderia fazer isso. Aí o gaviãozinho ficou com ele lá, piando, piuuu, piuuuu, piuuuu. O traidor voltou pra casa e mentiu que o irmão dele tinha ficado preso porque o pau caiu. Ele falou isso pra comunidade. E eles falaram: “então nós vamos buscar”. Foram buscá-lo. Ele estava lá. O outro irmão dele quis tirar ele de lá. Mas quando chegaram lá o gaviãozinho já tinha cagado ele todinho. Ele já estava todo melado de bosta de disse para os parentes que vieram socorrê-lo que não queria mais voltar pra aldeia. Eles queriam fazer outro pau pra fazer uma ponte. Subiu até esse pau e conversou com o parente. Ele reclamou que seu irmão fez isso porque quis e agora não queria voltar mais, falou que ia viver ali no ninho. Dois dias depois o pessoal pensou em trazer ele na marra. Aí viram que ele lá tinha criado penas. Estava nascendo penas. E ele disse que não ia voltar mais, pois já estava criando bico e penas. Já estava se transformando em gavião. Os parentes se perguntavam como poderiam fazer pra trazer ele de volta. Ele ainda estava falando como gente. Ele voou na frente deles e arrancou o cacho de coco de babaçu, atorou com o bico e levou no ninho. Aí os parentes viram que não tinha jeito não, que ele tinha virado gavião mesmo. O pai dele ficou muito triste. O irmão ficou com a mulher dele e ficou muito feliz. O povo ficou contra ele, porque ele fez isso. O gavião-homem só conversava com o pai dele, conversava com o pai dele como vaváh. Ele virou vaváh. Perguntou para o pai o que ele ia fazer na aldeia. E o pai dele falou que ia fazer uma festa. O Gavião achou bom. E disse: “pode convidar o povo e aquele que ficou com minha mulher você coloca na frente de todo mundo”. O pai fez macaloba, tinha plantio de amendoim. Isso demorou um tempo, não foi rapidinho. O pessoal já tinha esquecido ele, o povo não lembrava mais. O pai dele fez festa e convidou o povo pra colher amendoim. A gente arranca igual mandioca. E um gaviãozinho piava pequenininho de longe, piu, piu. O pessoal perguntava quem fazia esse barulho. Tem que matar esse que tá fazendo barulho. O traidor estava bem no meio do povo, o gavião desceu e feriu ele na cabeça. Nesta vez só machucou e foi embora. O traidor começou a sarar com pajelança, remédios. O pessoal cuidava dele. Um dia ele estava tomando banho na bacia, não no rio, porque estava doente. Era parte da tarde, ele foi banhar, estava sarando, cabeça furada da unha do gavião. A mulher dele trouxe água pra banhar o gavião de novo estava piando longe. A mulher falou “Tá longe, não tá perto não”. Aí ele veio enquanto estava banhando e arrancou a cabeça do irmão. A mulher gritou desesperada. Aí o gavião levou a cabeça embora. Quando a gente tá doente não banha no rio, mas leva água na vasilha e banha no pátio. Passou um tempo, um, dois ou quatro anos, depois que o pessoal esqueceu de novo, o gavião chamou o pai dele. “Pai, eu tenho uma cabeça de comemoração que eu matei o cara”. Ele comeu a carne e deixou o osso e deixou de lembrança, cabeça bonitinha, o crânio. “Pai, faz uma festa bem bonita pra mim”, a festa da colheita do amendoim foi pro gavião, o pai dele fazia pra ele. “Eu vou jogar o crânio do meu irmão no dia da festa”. O povo estava dançando e quando foi de manhã ele jogou o crânio lá de cima. Ela era oca e dentro tinha buraco. Caiu fazendo barulho e dentro estava cheia de nambu. Quando caiu estourou e quebrou em pedacinho. Os nambus saíram voando. Por isso a gente fala que o nambu é miolo da cabeça do Ikólóéhj, do gavião. Depois que ele jogou a cabeça ele desapareceu do pai, nunca mais falou para o pai. Ele cumpriu a vingança dele. É bonita né. Eu acho bonita essa história. Ele ainda está vivo em algum lugar, ninguém sabe onde ele está, mas está vivo. Esse nambu que eu estou falando que estava dentro da cabeça do ser humano que gavião jogou a gente fala súnah, todos os nambus saíram da cabeça. Não é todo nambu não, só o súnah. A gente come, mas ele é sagrado pra nós, ele é do miolo do homem que foi comido pelo gavião. É isso aí. (Narrativa de Catarino Sebirop)